quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Saúde Pública, ANVISA e a População com Obesidade


Geraldo Medeiros-Neto
Professor Senior de Endocrinologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo


INTRODUÇÃO
 
Em dezembro de 2011, o colegiado da ANVISA, contrariando todos os pareceres de entidades médicas altamente conceituadas, tais como o Conselho Federal de Medicina, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, decidiu suspender a licença de três produtos rotulados como “anfetamínicos”: anfepramona, fenproporex e mazindol.
O primeiro erro foi classificar o mazindol como anfetamínico, quando esse fármaco não possui, em sua estrutura química, o chamado anel anfetamínico. É um produto sintetizado pela indústria suíça Sandoz e com qualidade farmacotécnicas muito apropriadas para a terapêutica auxiliar na obesidade. O segundo grande erro da ANVISA foi o de não indicar quaisquer estudos científicos publicados em revistas nacionais ou internacionais que justificassem esta drástica medida. Por outro lado, a ANVISA cercou a prescrição da sibutramina de um número inaceitável de documentação burocrática destinada, segundo consta, a manter o obeso preocupado com efeitos colaterais do fármaco que o seu médico tinha receitado. O conjunto dessas medidas, em resumo, deixaram para a terapêutica do obeso apenas duas possíveis indicações: a sibutramina e o orlistat.
Apesar de todos os protestos da comunidade médica, a ANVISA não voltou atrás nessa suspensão do uso de medicamentos presentes durante décadas no receituário de profissionais conceituados e habilitados para a prescrição de tais fármacos.

SUBSTITUIÇÃO DOS MEDICAMENTOS SUSPENDIDOS

Como já se poderia prever, o vácuo deixado pela falta de medicamentos de obesidade levou a verdadeiras distorções no “mercado farmacêutico”. Como exemplo, cita-se o uso de medicamentos injetáveis, indicado somente para terapêutica de diabetes, que foi extensivamente e abusivamente empregado, mesmo sem prescrição médica, por incautos pacientes desejosos de perder alguns quilos. Por outro lado surgiram nas redes sociais e na internet de forma geral, várias modalidades terapêuticas para a obesidade, envolvendo grosseiras charlatanices, tais como “o óleo de coco emagrece”, “injeções de chá verde para gordura localizada” e outras fantasiosas preparações herbais de origem obscura e efeito nulo, na desejável perda ponderal. Mais grave ainda foi a oferta ilegal de anorexígenos, como fenproporex, por pessoas, sociedades comerciais, sacoleiros, contrabandistas, vindo dos países vizinhos do Brasil.




ANVISA X FDA (Federal Drug Administration)
É curioso lembrar que a ANVISA, desde sua criação, na década de 1990, sempre teve o seu padrão de aprovação ou rejeição de fármacos firmemente alicerçados nas decisões da Federal Drug Administration (FDA) – órgão norte-americano altamente respeitado para aceitação ou rejeição de produtos novos ou mesmo fármacos já existentes no mercado. Acontece que a FDA jamais cogitou de suspender o emprego de seus derivados “anfetamínicos”, como a dietilpropiona ou a fentermina. Mais recentemente, a FDA aprovou neste ano o uso clínico da associação de fentermina e topiramato para tratamento da obesidade, baseando-se em profundo estudo realizado em mais de 7.000 pacientes pelo método comparativo com grupo controle, publicado na conceituadíssima revista “The Lancet”. Nesse sentido, os médicos brasileiros passaram a indagar qual será a posição da ANVISA diante desta nova associação farmacológica, já aprovado pelo FDA, e que não poderá ser usada no Brasil, pois um de seus componentes teve a suspensão, para uso em pacientes com obesidade, proibido arbitrariamente pela ANVISA.

AINDA HÁ ESPERANÇA EM REVERTER ESTE QUADRO
Surge no entanto, neste mês, uma luz no fim do túnel: o Deputado Federal Felipe Bornier, do Rio de Janeiro, apresentou projeto de lei suspendendo a decisão da ANVISA de proibir o uso de fármacos para o tratamento de obesidade por falta absoluta e total de estudos que justifiquem esta arbitrariedade. Esse projeto, se aprovado pela Câmera dos Deputados, irá invalidar a decisão da ANVISA, permitindo uma melhor e mais eficiente terapêutica para a população obesa. Conforme justificativa do seu projeto, o Deputado Bornier argumenta que houve o uso inadequado de outras substâncias, bem como o possível (porém não negado) uso de medicamentos “importados”, ilegalmente, de países do Mercosul.
De forma Geral, argumenta-se que os obesos devem ser orientados a reverter o seu quadro de excesso ponderal, através de um programa de exercícios físicos e restrição alimentar por um período relativamente longo. Todavia a prática clínica mostra que apenas a recomendação de que essas medidas sejam levadas a sério pelos pacientes é relativamente pequena. Medidas farmacológicas ajudam o paciente a ultrapassar o período inicial, promovendo perda de peso animadora, a qual tornará mais fácil a recomendação do incremento de atividades físicas e restrição de alimentos de alto conteúdo calórico. Mais sério ainda é o fato de que o Ministério da Saúde propôs reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para o adolescente obeso ter direito de realizar a cirurgia bariátrica com a finalidade de redução de peso. A nosso ver, as consequências dessas cirurgias em indivíduos tão jovens seriam fonte de preocupação quanto a efeitos colaterais a longo prazo. Não há dúvida de que antes de apelos para uma intervenção cirúrgica, o tratamento farmacológico aliado a restrição alimentar e intensa atividade física deveriam ser utilizados antes de uma séria modificação no trato gastrointestinal. Talvez diante do que foi apontado, a ANVISA tenha o bom senso de rever a sua posição em relação aos fármacos suspensos em dezembro de 2011, promovendo novas audiências públicas que permitam a entidades ligadas à saúde pública em geral e ao tratamento do obeso em particular levarem novos argumentos para discussão.





Texto retirado da Revista ABESO.