domingo, 29 de maio de 2011

Afinal o risco cardíaco é maior nos pacientes com gordura abdominal ?

Prof. Geraldo Medeiros

É bastante conhecida a classificação dos obesos em dois grupos distintos. A gordura ginoide é típica das mulheres e se distribui pelas coxas, quadris e região glútea enquanto a obesidade andróide se caracteriza por acúmulo de gordura na região abdominal, poupando as pernas e região glútea. Esta classificação baseia-se nas observações geniais do médico francês, professor de Clínica Médica em Marselha, Jean Vague. Este arguto clínico notou que as mulheres, com sua obesidade ginoide eram poupadas, no decorrer da vida, da hipertensão, do diabetes e doenças coronarianas enquanto que os homens e mulheres com obesidade andróide apresentavam maior prevalência de pressão alta, acidentes vasculares cerebrais (AVC) e coronariopatias. A divisão da obesidade em 2 tipos principais não é absoluta em ambos os sexos, masculino e feminino. Mulheres podem ter o tipo andróide de obesidade e homens podem ter distribuição de gordura tipo ginoide. Mas o que valorizou e confirmou as idéias de Vague foram as sucessivas observações de que a gordura abdominal principalmente aquela interna, entre as vísceras, era especialmente predisponente a induzir placas de colesterol em artérias estrategicamente situadas no coração e nos vasos cerebrais. Estes modelos de distribuição de gordura passaram a ser chamadas de tipo maçã (andróide) ou pêra (ginoide). Tanto endocrinologistas como cardiologistas ao examinar o paciente obeso mediam a cintura, à altura do umbigo bem como o perímetro coxo femural. Acima de valores indicados como normais, medidas consideradas elevadas teriam prognóstico de possíveis moléstias cardio vasculares mais graves, no futuro.

Recentemente estudo na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e publicado na prestigiosa revista médica “The Lancet” afirma que a obesidade em geral, sem considerar tipo ginoide ou andróide definida pela medida do Índice de Massa Corporal (IMC) é tão boa para prever futuras complicações cardíacas e vasculares comparativamente à gordura abdominal.

O resultado contesta o consenso anterior, que afirma que a medida da circunferência abdominal prevê com uma precisão três vezes maior o risco de enfarte do miocárdio, quando comparado às estimativas baseadas no IMC.

A pesquisa avaliou informações sobre 221.934 pessoas, que participaram de estudos de longo prazo. Os autores avaliaram o impacto de três variáveis comumente relacionadas ao surgimento de doenças cardiovasculares: a medida da circunferência do abdomen, o IMC e a relação entre a medida da cintura e do quadril.

A conclusão foi que esses três fatores têm igual capacidade de determinar riscos cardiovasculares, desde que se leve em consideração dados adicionais sobre pressão sanguínea, histórico de diabetes e colesterol.

De acordo com os cardiologistas do Instituto do Coração (Incor-USP), esses resultados concordam com os estudos que estão sendo realizados dentro daquele Instituto Paulista.

Enfatizam que, apesar de alguns médicos considerarem que a medida da circunferência abdominal diz mais sobre os riscos cardíacos do paciente, a tendência dos estudos atuais é considerar mais o IMC ao tentar estimar os riscos.

Parte da comunidade científica discute se a obesidade é um fator tão determinante para o surgimento de problemas no coração. Sem dúvida, a obesidade está associada a mais de 30 doenças. Mas em relação à doença cardiovascular, as coisas estão começando a mudar um pouco. Não é só a gordura que é responsável por esses problemas.

Outros fatores com o a genética podem ser muito importante na eventual participação do excesso de peso associado a risco cardiovascular. Já os Endocrinologistas discordam da opinião de cardiologistas e afirmam que a circunferência abdominal acima de valores considerados normais ainda é válida e que a genial contribuição de Jean Vague ainda é muito oportuna e válida.

Contestam que os 221 mil obesos da pesquisa da Univ. de Cambridge foram  entrevistados por questionários os quais identificavam presença ou não de doença hipertensiva, diabetes, AVC e doenças coronarianas. Os questionários que indicavam a presença destas enfermidades eram estatisticamente, correlacionados com o Índice de Massa Corporal, circunferência abdominal e perímetro glúteo-femural. Não houve diferença entre a obesidade expressa pelo IMC e demais medidas abdominais e glúteas. O estudo, portanto, não indica ao clínico que vê pacientes obesos, todos os dias, que a obesidade andróide não é tão perigosa como se afirmava. Tal idéia, baseando-se em questionários deve ter seus resultados aceitos com reservas. Ainda achamos que a obesidade andróide é mais predisponente a doenças vasculares. Por exemplo, a gordura visceral estimula a produção de proteínas inflamatórias conhecidas como citocinas as quais são fatores de risco para diabetes e moléstias vasculares.

As idéias de Jean Vague ainda são válidas, seguras e de elevado teor produtivo para os obesos.
 

Simpósio internacional sobre Adiposidade e excesso de peso: riscos relativos da distribuição de gordura, Mônaco, 1989. Á esquerda o Professor Jean Vague, o qual defendia suas idéias de obesidade andróide e ginoide, em diálogo com Geraldo Medeiros (à direita).