quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poderemos vencer o efeito obesógeno do gene FTO ?

O conceito de que as síndromes ligadadas à Obesidade teriam forte base genética parece estar bem estabelecido e aceito pela maioria dos clínicos e pesquisadores. Estudos com gêmeos univitelinos, agregação familiar, associação com diabetes, estudos experimentais em animais, vários genes já descritos, projetos em andamento (genome-wide), enfim, todo um enorme esforço da comunidade médica vem sendo realizado para chegarmos à conclusão que os pacientes obesos mais adoram ouvir: a obesidade não decorre da sua alta ingestão calórica, da escolha de nutrientes super-calóricos, da total indisciplina de horários, da falta de qualquer atividade física, mas SIM!! Os genes é que são os culpados de tudo.  Obviamente esta afirmação não condiz com a realidade. Mas, sem dúvida, já temos alguns dados que apontam para um decisivo papel dos genes nas várias fases que levam a obesidade. Neste artigo focalizaremos o gene FTO.


O gene FTO o qual oficialmente é designado como gene associado à Massa Adiposa e Obesidade da sigla em inglês (fat and obesity gene) foi reconhecido por geneticistas em 1994, como um dos seis genes que causam fusão de artelhos em camundongos mutados (1). Em animais normais o FTO mostrava-se altamente expresso em regiões hipotalamicas associadas ao Equilíbrio Energético. A expressão do gene FTO na região hipotalamica parece ser regulada por variações na ingestão de alimento (2).

A função primordial do gene FTO foi demonstrada em 2007 (2) após um estudo de associação ampla genômica, compreendendo casuística de cerca de 39 mil pessoas. Neste estudo constatou-se que indivíduos com duas cópias de um gene FTO variante pesavam, em média, 3 kg a mais do que indivíduos com FTO normal (ou selvagem). Entre as populações estudadas 16% dos pesquisados eram homozigoticos para a variação genômica. Notou-se, igualmente, que esta associação do gene FTO com obesidade estava presente em crianças obesas desde a idade de 7 anos.

Portanto a associação de FTO com obesidade parece clara, evidente, e difícil de ser ignorada. O cálculo de razão de possibilidade (odds ratio) entre obesidade e indivíduos homozigoticos chegava a 1,67 ou seja, indivíduos com duas cópias de gene FTO variante teriam 67% de chance de serem obesos comparativamente a indivíduos com FTO normal (2). Muitos pesquisadores, no campo genético, propuseram que o gene passasse a ser designado como FATSO (fat mass and obesity associated gene).

Após confirmada a associação do gene FATSO  com obesidade, iniciou-se uma possível ligação com diabetes, pois, obviamente, esta variante genética (FATSO) estaria ligada a dois dos quatro critérios para diagnóstico de Síndrome Metabólica.
Em estudo muito recente (3) estudaram-se quatro polimorfismos de nucleotídeos simples (SNPs) do gene FTO em homens e mulheres caucasianos (descendentes de Europeus) e de descendentes de Afro-Americanos.

Nos indivíduos brancos (caucasianos) dos quais 1004 apresentavam diabetes e 10038 não eram portadores de diabetes, o estudo indicou que o genótipo do FTO poderia apresentar 4 SNPs descritos a seguir:

(a) rs9939609

(b) rs8050136

(c) rs17817449

(d) rs1421085

Nesta população branca os SNPs mostraram-se significantemente associados ao índice de massa corporal (IMC) dos indivíduos em estudo, com o valor da circunferência abdominal e com a razão entre a  circunferência abdominal e a da região da coxa (waist-hip). Não houve significância com a altura dos indivíduos estudados.

Já na população de Afro-Americanos (670 com diabetes e 2780 sem diabetes) apenas a variante genotípica do FTO rs1421085 se mostrou significantemente associada ao índice de massa corporal. Nenhum dos outros SNPs tiveram qualquer associação significante com circunferência abdominal, altura e razão abdômen-coxas.

Os autores concordaram que as variantes de FTO mostravam-se, repetidamente, significante associação com IMC e diabetes, mas com peso e constância estatística somente para caucasianos (de origem européia).

Como já foi dito esta significância não foi obtida para Afro-Americanos, Hispânicos e Orientais. Estas diferenças étnicas ainda são objetos de explicações especulativas. É possível que alguns dos SNPs (por exemplo o rs1441085) possa ter efeito protetor em Afro Americanos quanto a diabetes ao mesmo tempo que contribui significantemente para obesidade.
Apesar das controvérsias étnicas e muitas dúvidas sobre o exato papel fisio-patológico das SNPs do FTO existem dados suficientemente seguros para afirmar que variantes de FTO afetam o peso individual, por aumento na ingestão de alimento e, especificamente, induzindo maior entrada de energia calórica ao mesmo tempo que decresce a resposta da saciedade. Parece que está bem documentado que os portadores da SNPs rs9939609 teriam aumento de peso conseqüente a marcante decréscimo da sensação de saciedade pós prandial (4,5).

A grande questão que se abre a todos nós endocrinologistas, nutricionistas e genéticistas é:

Os indivíduos com variantes de FTO (SNPs) devem resignarem-se a serem obesos, possivelmente diabéticos e com síndrome metabólica?

Em abril deste ano um estudo relativo a adolescentes de origem européia respondeu, clara e insofismavelmente esta indagação. Os adolescentes “gordinhos” eram portadores da variante FTO SNP rs9939609. Os efeitos não desejados tanto no apetite, na ausência de saciedade, no maior consumo calórico foram marcantemente diminuídos ou controlados com intenso programa de Atividade Física (6).

A conclusão é clara – Gene não é Destino – e a presença de genética desfavorável pode ser neutralizada com um amplo, contínuo e eficaz programa de atividade física.

Resta saber se os “gordinhos” sempre “grudados” na internet, nos jogos eletrônicos, na preguiça total, irão cooperar com seu próprio corpo no programa de “malhação” para vencer o gene FATSO mutante.            


Referências:
  1. Spradling AC, Zheng Y. Developmental biology, the mother of all stem cells? Science. 2007;315:469-470.
  2. Frayling TM, Timpson NJ, Weedon MN, et al. A common variant in the FTO gene is associated with body mass index and predisposes to childhood and adult obesity. Science. 2007;316:889-894.
  3. Bressler J, Kao WH, Pankow JS, Boerwinkle E. Risk of type 2 diabetes and obesity is differentially associated with variation in FTO in whites and African-Americans in the ARIC study. PLoS One. 2010;5:e10521.
  4. Wardle J, CarnellS, Haworth CM, et al. Obesity associated genetic variation in FTO is associated with diminished satiety. J Clin Endocrinol Metab. 2008; 93:3640-3643.
  5. den Hoed M, Westerterp-Plantenga MS, Bouwman FG, et al. Postprandial responses in hunger and satiety are associated with the rs9939609 single nucleotide polymorphism in FTO. Am J Clin Nutr. 2009;90:1426-1432.
  6. Ruiz JR, Labayen I, Ortega FB, et al. Attenuation of the effect of the FTO rs9939609 polymorphism on total and central body fat by physical activity in adolescents: the HELENA study. Arch Pediatr Adolesc Med. 2010;164:328-333.