quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Bócio: tireoide aumentada de tamanho

Geraldo Medeiros

A tireóide pode aumentar de tamanho se faltar iodo

A tireóide, glândula situada na região cervical anterior, logo abaixo da cartilagem de mesmo nome (chamada de “Pomo de Adão”) foi, pela primeira vez, descrita com detalhes anatômicos pelo genial artista, pensador, inventor e filosofo Leonardo da Vinci. O desenho de Leonardo mostra, nitidamente, a glândula tireóide, em forma de “borboleta”, situada entre as duas artérias que levam o sangue para o cérebro (carótidas). Naquela ocasião, no século XVII pouco (ou nada) se sabia das funções desta importante glândula.

Mas o conhecimento de que a tireóide podia se mostrar aumentada, volumosa, fazendo-se saliente no pescoço é muito antigo. Os chineses já sabiam que em regiões montanhosas da CHINA, muitas pessoas tinham o “pescoço grosso, entumescido”. Empiricamente a Medicina chinesa tratava estes pacientes com “esponja do mar” que hoje sabemos conter iodo. Um historiado romano, Juvenal, ao acompanhar as tropas do exército romano que partiam para consolidar a conquista da Gália (atual França) observou que os habitantes dos Alpes apresentavam grande volume no pescoço que se denominava de “Guttur”, vocábulo em latim que deu origem à “goiter, goitre”. Em português chama-se BOCIO ou Papo. Somente no século XIX, após descoberta do iodo (1805) é que se aventou a hipótese de que regiões montanhosas, longe do mar, poderiam ter falta de iodo, o que levaria a glândula tireóide a crescer.




A descoberta do iodo e a deficiência de iodo

A arguta capacidade de observação de Napoleão Bonaparte estabeleceu um vínculo inicial entre a presença de Bócio nos Alpes e ausência deste tipo de crescimento da tireóide nas áreas habitadas junto ao mar. Napoleão indagou ao seu médico particular, Dr. Corvisart, porque nas regiões alpinas tantos rapazes sadios e fortes eram recusados para servir o exército francês por causa de “tumor” no pescoço. Ao mesmo tempo, mencionou que os habitantes de sua Córsega natal, em Marselha e áreas junto ao mar, este tipo de “anomalia” ou seja, o Bócio não existia. Claro que o Dr. Corvisart nada sabia do iodo ou da deficiência de iodo nas montanhas. Mas decorridos alguns anos a descoberta do iodo e sua conexão com a tireóide passou a ser mais clara e transparente. A Suíça, país rodeado de montanhas por todos os lados apresentava enorme prevalência de Bócio em seus habitantes. Pequenas comunidades encravadas nos Alpes tinham mais de 80% dos seus habitantes com Bócio. Em Genebra, um médico local teve a idéia de dar gotas de solução de iodo aos “papudos”. Notou logo uma apreciável redução do Bócio. Em 1830 já se sabia que a Deficiência de Iodo era a grande causa do aparecimento de Bócio em populações alpinas.


Deficiência de iodo e prevalência de Bócio.

A falta de iodo torna impraticável para a tireóide produzir os seus hormônios, T3 e T4. Isto porque ambos os hormônios possuem, respectivamente, 3 moléculas e 4 moléculas de iodo em sua estrutura química. Com a falta de iodo e, consequentemente, menor produção de T3 e T4, a glândula hipófise produz um hormônio chamado de estimulante da tireóide (TSH) em enormes quantidades na tentativa de induzir a tireóide super estimulada a fazer mais T3 e T4.

Com tanta estimulação por TSH a glândula tireóide cresce continuadamente. Inicialmente é um crescimento ordenado, com amplo aumento das unidades funcionais da tireóide (os folículos). Com o continuar da carência de iodo ocorre o crescimento desordenado, que propicia a formação de nódulos e após várias décadas de falta de iodo temos o Bócio com muitos nódulos (Bócio Multinodular). 


O Bócio Multinodular deve ser tratado

O tratamento com iodo, que data desde o início do século XIX, tem os seus riscos. Acontece que o grande volume do Bócio pode dar origem a um excesso de formação e liberação de hormônios tireóideos (T3 e T4) com o surgimento de Hipertireoidismo por iodo. Tal fato pode levar a taquicardia, arritmias cardíacas, perda de massa muscular e outros sintomas.

Outra forma de tratar o Bócio é tentar “segurar” a hipófise que secreta o TSH, hormônio estimulante da tireóide. O raciocínio é simples: podemos administrar L-Tiroxina (T4), pela manhã, em jejum, e este hormônio da tireóide irá bloquear o TSH. Sem estímulo de TSH, o Bócio tende a regredir mas muito lentamente, isto é, seriam necessários anos de terapêutica para obter resultados animadores.

Mais recentemente passou-se a usar o iodo radioativo. Com o próprio nome indica esta substância, produzida em reatores nucleares, é absorvida pela tireóide e uma vez incorporado à glândula, emite radiações que destroem as unidades funcionais da tireóide (folículos), reduzindo, rápida e drasticamente o volume do Bócio. Em 1 a 2 anos após administração de iodo radioativo o Bócio decresce mais de 50% do volume inicial. Todavia um terço dos pacientes passa a ter HIPOTIREOIDISMO, isto é, falta da função da tireóide, como consequência da terapêutica radioativa.

E a cirurgia do Bócio? A cirurgia do Bócio iniciou-se no século XIX e, rapidamente, se tornou uma das cirurgias mais frequentemente executadas tanto na Europa como nos Estados Unidos. Hoje, com os cuidados anestésicos, a perícia de cirurgiões especializados e preparo adequado do paciente, a remoção do Bócio Multinodular é exequível, com ótimos resultados e poucas, raras complicações.

Em conclusão: a cirurgia permite rápida correção do Bócio Multinodular, mas alguns pacientes idosos já com doença cardíaca e arritmias podem ter a opção de serem tratados com iodo radioativo, que não tem riscos cirúrgicos e anestésicos e é relativamente simples de ser executado.