quarta-feira, 19 de abril de 2017

A criança obesa

A obesidade infantil é um problema mundial

Podemos dividir o problema das crianças com excesso de peso e as com obesidade instalada (índice de massa corporal elevado) em várias fases temporais. Na fase 1, iniciando-se ao redor de 1970, raramente tínhamos este problema nos ambulatórios do Hospital das Clínicas,  e em hospitais infantis no exterior, como o Hospital de Crianças de Boston. Raros casos surgiam, quase    sempre associados a outros distúrbios psiquiátricos, hormonais ou genéticos. 


A partir, todavia, dos anos 90 o excesso de peso vem ocorrendo progressivamente em crianças de todos os níveis socioeconômicos, em vários grupos étnicos e em todos os Estados Brasileiros. O Nordeste, por exemplo, sempre considerado como albergando grande número de desnutridos, ao final do século vinte, já apresentava uma reversão desta tendência: o número de crianças com sobrepeso e obesidade ultrapassava aquelas com algum grau de desnutrição. Ampla oferta de comida, abundante e barata, pelo fim da inflação, acessível aos bolsos dos menos favorecidos, suplementação social por Bolsas Família, colocaram nas mesas dos socialmente mantidos nas classes D e E, uma quantidade de energia calórica bem maior e consistente do que em passado recente. O resultado parece ser claro: a fome oculta de muitas gerações, o baixo peso ao nascer, fruto de eventual desnutrição protéico-calórica durante a gestação, alterariam o “fomestato”, isto é, os reguladores da Fome e da Saciedade, desviando a entrada de energia calórica para um excesso alimentar, logo armazenado como GORDURA. Este tipo de fenômeno foi, também, observado nos EUA, em que as minorias hispânicas bem como os afrodescendentes têm um enorme contingente de crianças obesas.


A Fase 2 da epidemia de obesidade infantil.

Estamos, agora, entrando na fase 2, na qual se verifica o aparecimento, junto com a obesidade, de alguns problemas sérios de saúde. A literatura médica, com grande frequência, vem alertando para o fato de que o DIABETES tipo 2 está se elevando nos adolescentes (apesar de não ser muito comum e frequente). Os números indicam que nas últimas décadas o diabetes em adolescentes aumentou em prevalência por um fator de 10 vezes em hispânicos e afrodescendentes nos EUA. Muitas (1 em cada 3) das crianças com sobrepeso e obesidade já apresentavam o fígado cheio de gordura (esteatose hepática), chegando a nível de alterações da função do fígado. Problemas ortopédicos (joelhos, coluna vertebral) e de alterações do sono (ronco, apneia) são frequentes. Mas muito importante é mencionar o aspecto psico social: as crianças obesas tendem a se isolar socialmente, com consequente compensação para uma forma compulsiva de comer (sempre muito depressa, com sofreguidão), sintomas de ansiedade presentes e, mais raramente, alguma depressão.

Estudos pedagógicos indicam que, quando chega a idade adulta, competitivamente, levam desvantagem nos exames de admissão às universidades, aparentemente não são os mais brilhantes da turma e, muitos, desistem de cursos superiores.


A obesidade infantil pode progredir para a fase 3.

Muitos anos deverão se passar até que a obesidade chegue a fase 3 desta epidemia do século  XXI, na qual as complicações médicas possam levar a sérias consequências para a saúde da criança e do adolescente. Existem dados médicos e estatísticos bem elaborados indicando que a criança obesa tem nítida propensão para futura doença coronariana, isto é, obstrução de artérias do coração, com diminuição da chegada do oxigênio aos músculos cardíacos. De fato a previsão é que o número de alterações sérias das coronárias deve-se elevar entre 5 e 16% entre adultos jovens obesos.

Nos jornais desta semana noticiou-se que vários adultos, entre 20 e 30 anos, apresentaram, pela primeira vez, um episódio coronário, totalizando 12% dos atendidos em emergência, algo que era, praticamente, muito pouco provável há 30 anos atrás. É verdade que o estresse contínuo, a pressão social, horas longas de trabalho e falta de atividade física são componentes importantes destas estatísticas. Impressionante é o fato de mulheres adultas, na faixa de 40 – 50 anos, obesas desde a adolescência apresentarem risco cardíaco sério, com eventual desenlace fatal, cerca de três vezes mais frequente que as de peso normal. Portanto pode-se afirmar que a obesidade infantojuvenil é uma “bomba” de efeito retardado, levando a consequências bem além do período jovem.


O que nos espera na fase 4 da obesidade infantil.

Desde que não haja uma efetiva e eficiente intervenção médica, social e universal a fase 4 nos conduzirá à uma aceleração da epidemia de obesidade infantojuvenil, a qual reverterá sobre gerações futuras, isto é, seria um fenômeno em escala crescente com mães obesas gerando filhos com propensões à obesidade, com possível “programação” intra-útero, de forma não genética, mas por alterações dos níveis de “açúcar” no sangue da grávida (diabetes gestacional). 

As soluções estão à vista e várias já foram propostas e muitas incluídas por vários países e populações. Depende de uma estratégia a ser desenvolvida pelos órgãos públicos, pela mídia e por várias ONGs que se dispõem a ajudar. Temos que aprender mais sobre a regulação do peso corporal, como controlá-lo, reduzir a fome e induzir saciedade de forma segura e eficiente, como gastar mais energia acumulada, como diminuir a “poupança” natural do corpo, que insiste em “guardar gordura”. Dieta saudável, e muito exercício físico são essenciais. O problema é que é mais fácil dize-lo que executa-lo, pois temos que vencer barreiras enormes no que tange a hábitos alimentares arraigados e a “preguiça” natural da indolente natureza humana. Tempo gasto em TV e jogos eletrônicos devem ser limitados, com alternativa para exercícios aeróbicos. Legislação sobre publicidade de “fast-food”, salgadinhos, “tranqueiras” de toda sorte poderia ser instituída. O que se come nas escolas como “lanches” deve ser supervisionado e orientado para um lado mais saudável. Pais e mestres poderiam cooperar nesta área, preventivamente. Com o esforço de todos poderemos controlar a obesidade infantojuvenil e suas consequências.

Geraldo Medeiros